Tuesday, February 19, 2008

O Alívio da Negação

Ilude-se com a idéia de que tudo isto é ilusão.
O que não existe justifica o não sentir. Não podes ter o que não há.
Enclausura-se na certeza dos mistérios da emoção.
Proteção.

Vai, inventa miragens de um amor que não pode ser.
Imagina, cria, desenha à sua frente o que só os cegos podem ver!
Não pode ser, não sabes sofrer.

Anuncias que não há, enquanto procuras incessante.
Por que não aceitas que também és merecedor?
Caminhas por terras ermas, errante.
Talvez, procurando um pouquinho mais de dor.

Vai, toma as rédeas e muda o circuito!
Mesmo cansado, ainda não está em tempo de desistir.
Quem muito almeja, um dia alcansa.
Seja feliz, vire criança.

Não, não é pecado.
Ela está ali, logo ao lado.

Sunday, February 17, 2008

Velinhas de Desejos e Segredos de Chocolate

Certo dia, uma menina sonhou. Afundada entre pensamentos e penas de ganso, ela repousava profundamente em sua inocência e imaginara-se crescida, altiva e de grande sucesso.
Vira-se casada, com dois filhos de comercial de televisão, um marido atencioso e carreira promissora. Ela era jornalista das mais conceituadas, o mundo a reverenciava por sua ética e boa escrita. Sempre convidada para os melhores eventos do ano, portava-se impecável. Seus filhos eram exemplos na escola dos sonhos e todas as suas amigas a rondavam por admiração.
Até o dia que ela não fora trabalhar.
Deste sonho, em que tudo dera certo, ela se cansou.

Decidiu investir em outro ramo de suas aspirações, descartou o marido e, neste sonho, resolveu não ter filhos, ela queria continuar jovem. Tornara-se agora artista, das mais famosas e belas.
Ela tinha todos os homens aos seus pés e as mulheres a invejavam como nenhuma outra. “A fama subiu a cabeça”, diziam. Mas ela não acreditava, sentia-se cada vez mais poderosa, invencível quase e teve a certeza de que o mundo não sobreviveria sem tê-la a idolatrar.
Vestia casacos de pele, sapatos e bolsas de couro legítimo e logo, todos os seus princípios escorreram pelo esgoto de suas idéias.
Mais um dia e ela sofrera um acidente, perdendo a beleza na qual sua vida se apoiava.
Desistiu deste também.

Em sua próxima tentativa, quis ser resultado de profundos esforços de toda uma vida e tornara-se uma intelectual.
De primavera a primavera ela atuava para o bem de seu próximo, estudava os céus e a terra, órgãos e microorganismos. Ganhou prêmios, ajudava aos pobres e deficientes, consideravam-na um verdadeiro tesouro da humanidade.
Os que dela se aproximavam eram considerados leigos e, na perspectiva de finalizar sua ignorância, ela sentia-se como se desse uma eterna aula sobre o estabelecimento de conversas produtivas, encontrando um bem maior nas relações humanas.
Logo, adentrara sem retorno na solidão dos que sabem demais.

Na eterna busca pela medida certa de esplendor, o sonho enegreceu. Suas maiores aspirações deram lugar aos mais desesperados temores e ela agora se via no jardim de encruzilhadas. A luz tênue fornecia apenas a certeza de que estava sozinha e, assim estando, custava a ela (e a ela somente) o fardo de trilhar sua própria vida.
Vacilou, a princípio. Chegou a pensar onde estava o ombro amigo que precisava. Descobriu que se não lhe dera a devida importância em seu devaneio de vitórias, com certeza este não vagava por estas terras de solidão. Pensou em desistir.
No entanto, suas pernas trêmulas aceitaram o desafio que a mente não ousava considerar. Ela foi em frente.

Acordou na manha de seu aniversario ainda atordoada pelo insucesso de seus questionamentos e ambições. Sorrindo amarelo e com olhos vagos, recebia os convidados e seus formais desejos de 'felicidades' e 'tudo de bom', perguntando-se o que realmente eles lhe desejavam.
Que tipo de felicidades correspondem estas afirmações? Paz, amor e saúde são os conceitos clássicos, mas a que custo e intensidade obtê-los? Será que eles compreendiam o sentido de felicidade para ela e, desta maneira, o que verdadeiramente a faria feliz? Ou diziam aquilo apenas porque era de praxe, uma frase automática sem resquícios de interesse real, como os que complementam um “Oi” com “tudo bem?” desprovidos de qualquer curiosidade se a pessoa realmente vai bem ou mal.

“Feliz aniversário, felicidades!”, lhe disseram, seja lá o que isso quer dizer.
Entoaram os parabéns em volume e animação dignos de um ente amado. Percebeu, então, que dera valor demasiado aos padrões de felicidade sugeridos tanto por seus mais próximos amigos quanto ao ideal imposto pela sociedade.
Seguir o caminho indicado por placas de transito a faria viver num mundo de cores desbotadas. Melhor seria enfrentar o túnel de suas limitações rumo ao minusculo ponto de luz à frente.

Assim, ao apagar as velinhas ela se sentiu um tanto boba ao pedir sua única certeza: “Quero encontrar o meu modo de ser feliz.”

Wednesday, February 13, 2008

Madrugada dos Insones

Acordei às três da manhã sem ter o que dizer. Acordei e era apenas sensação.
O corpo deitado ao meu lado não tinha face, tentei lembrar o que fizera na noite anterior.
Sim, agora me recordo. Tinha ido a um bar e, no ultimo suspiro de desespero, encontrei algo que me fizesse parar de pensar.
Quem é este estranho, que repousa tão sereno diante deste turbilhão de emoções que me assola somente na madrugada?

Tentei acordá-lo, perguntar-lhe o que ali fazia, se a única função que lhe designei ele não conseguira cumprir. Tinha vontade de gritar-lhe a plenos pulmões: Por que me fizeste acordar desta maneira? Não tenho eu também o direito de dormir? Devias ter me ocupado, por favor, imploro que me afastes estes pensamentos!
Ele respirou fundo, ainda adormecido, e me deu as costas.

Exposta ao relento de minhas confusões tentava, quase em vão, encontrar entre cartas e textos rasgados o sono e a calma que insistiam em abandonar-me. Decidi então que viveria um tempo paralelo aos de qualquer outro. Quem disse que não se pode tomar café da manha e começar um novo dia ás 03h47min? A partir desta madrugada, eu iniciaria uma nova rotina, compensando as noites mal-dormidas em desleixados cochilos durante a tarde.

O homem ao meu lado se virou, olhou-me nos olhos e disse: “Dorme”. Obedeci-o. Finalmente lembrei seu nome, chamava-se Solidão.